A repercussão do câncer de Lula na internet remete ao clima de baixarias que inundaram as redes sociais nas eleições 2010. Não à toa. Lula é peça-chave no jogo político, e a boçalidade destampada no período eleitoral continua a ser alimentada à farta.
O ex-presidente fez bem ao tornar logo público o tumor na laringe. Agiu com a transparência que se espera de quem deixou o Planalto com índice de aprovação de 87%. Não se trata apenas de um drama pessoal. Embaralha qualquer cenário que se vislumbre para as eleições municipais de 2012 e, obviamente, para a sucessão presidencial de 2014.
É nesse contexto que desponta nas redes sociais a campanha “Lula, faça o tratamento pelo SUS”. Ela renova o ódio reacionário que marcou a disputa eleitoral do ano passado, em que o auge foi a exortação do afogamento de nordestinos em São Paulo.
Lula poderia ir a um hospital público, como o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, mas preferiu o Sírio-Libanês, onde seus médicos trabalham – também ali se trataram de câncer o então vice-presidente José Alencar e a então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. Aliás, é desejável que ele não ocupe vaga de quem depende da rede pública de saúde.
Por que a campanha para Lula se tratar pelo SUS? Só ressentimento e ignorância explicam tamanha estupidez. Algum mimimi se no lugar do petista estivesse um tucano de densa plumagem? E se Lula fosse ao Instituto do Câncer não receberia tratamento de ótima qualidade, como todos que lá estão? O mais curioso é ver que o sujeito que quer Lula num leito público também comemorou o fim da CPMF, cuja extinção beneficiou uma parcela de brasileiros que, da classe média para cima, deixaram de entregar 0,1% sobre o valor de cada movimentação financeira para a saúde pública.
O ódio dessa minoria contra Lula escandaliza agora alguns de seus críticos sensatos na imprensa. Mas não se trata de cobrar comportamento decente de leitores, quando parte da mídia é responsável por fomentar essa raiva e dela se beneficia. Basta recordar como foi a cobertura do título honoris causa concedido a Lula pela Sciences Po.
Choca que a galera vomite nas redes tanta escrotidão com a mesma — ou até mais — desinibição que em círculos íntimos. A parada, porém, é mais profunda. Não é uma questão de compostura, mas classe. Melhor, classes. Num clima que transborda o ódio de quem sente as referências de exclusividade social se esvair, ainda que muito, mas muito lentamente.
Senti um misto de vergonha e enjoo ao receber centenas de comentários de leitores para a minha coluna sobre o câncer de Lula. Fossem apenas algumas dezenas, não me daria o trabalho de comentar. O fato é que foi uma enxurrada de ataques desrespeitosos, desumanos, raivosos, mostrando prazer com a tragédia de um ser humano. Pode sinalizar algo mais profundo.
Centenas de e-mails pediam que Lula não se tratasse num hospital de elite, mas no SUS para supostamente mostrar solidariedade com os mais pobres. É de uma tolice sem tamanho. O que provoca tanto ódio de uma minoria?
Lula teve muitos problemas --e merece ser criticado por muitas coisas, a começar por uma conivência com a corrupção. Mas não foi um ditador, manteve as regras democráticas e a economia crescendo, investiu como nunca no social.
No caso de seu câncer, tratou a doença com extrema transparência e altivez. É um caso, portanto, em que todos deveriam se sentir incomodados com a tragédia alheia.
Minha suspeita é que a interatividade democrática da internet é, de um lado, um avanço do jornalismo, e, de outro, uma porta direta para o esgoto do ressentimento e da ignorância.
Espero que não façam como sempre, em busca de explorar os momentos da tragédia alheia associado a emoção do povo, isso é Brasil. Para mostrarem solidariedade! Voce sabe, tem eleição se aproximando!
Nada melhor para sair na mídia ! "Os santos de pau oco." Agora todo mundo é amigo do Lula! Pegando carona no Lula la´.
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